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José Chiachiri e a Franca Machadina

  • Foto do escritor: Matheus Fernandes
    Matheus Fernandes
  • 30 de jul. de 2019
  • 3 min de leitura

Machado de Assis aos 57, em 1896. Disponível em: Wikipedia.

Há 80 anos atrás, em razão do centenário de nascimento de Machado de Assis, em 1939, José Chiachiri — que à época era o titular da cadeira que leva o nome do literário na Academia Francana de Letras — proferiu um discurso com o intuito de não apenas enaltecer o cronista, mas de desnudar sua fundamental importância para a compreensão do Brasil. Chiachiri, ao descrever Machado, o fez com maestria. Aqui, relembro seu papel como um dos mais importantes literários do Brasil e parabenizo o patrono de nosso Museu por manter cativa a memória dos grandes brasileiros e ter feito o mesmo há 80 anos atrás.


Machado nasceu em 21 de Junho de 1839, no Morro do Livramento no Rio de Janeiro. Filho do pintor Francisco José, entendeu desde cedo os muros visíveis e invisíveis que serviam para distinguir aqueles que nasceram no cabedal daqueles que nada possuíam além de sua prole.


A genialidade das palavras que escreveu, refletem sua característica principal: transformar as agruras da vida, através de sua inteligência, nas mais requintadas, amargas e questionadoras obras sobre a sociedade brasileira. Seus romances, repletos de acidez, ajudam a pintar o quadro decadente do Brasil escravista.


Na ironia dos contrastes, só se encontra o realismo subjetivo de seus personagens. Que, diga-se de passagem, traduzem bem a transição social, econômica e política proveniente da superação do Império e instauração da República. Da abolição da escravatura e do surgimento de um Brasil mais cheio de si, ainda que com muitas contradições a superar.


O valor da obra de Machado de Assis, resplandece mesmo após os recém completos 180 anos desde seu nascimento. E, o faz justamente por seus contornos e linhas dotados de muito estilo e filosofia. Revestidos, sobretudo, com a pobreza, a fé e a beleza de um autodidata.


Descrevo melhor. O escritor de "Quincas Borba" era um autodidata em pleno século XIX. Uma exceção à regra, sobretudo se tratando de um negro em um país escravista. Mais do que isso, era um homem que sofria de epilepsia. A celeridade com que se instruía, somada à doença, lhe dava um percepção pouco agradável

socialmente. Não à toa,


Tudo isso, sem deixar passar a perspicácia de inserir e debater temáticas no campo da psicologia, antes de Freud inclusive. A noção de interior-exterior e as brincadeiras que permitem o dentro-fora — ora com o leitor, ora com o personagem —, são claros sinais dessa postura reflexiva de Machado. Jacobina, o alferes do conto "O Espelho" — que por conta da patente, ascende socialmente e passa a só se preocupar com a maneira que é visto —, expressa toda essa contradição entre ser e parecer, característica dos contos machadinos.


O cético e duro cronista, como bem descreve em "Memorial Aires" — seu último romance, publicado no ano de sua morte, em 1908 —, finalmente se preenche das explicações para a aceitação de sua condição mundana: "[...] era com os suspiros de uma geração que se amassavam as esperanças de outra". E é justamente esse o sentido heróico da vida de Machado, que nos permite pensar, através dessa reflexão, em todos os tempos que vivemos e, sobretudo, em todos os sofrimentos que passamos. Eram essas as últimas preces de Joaquim Maria.


Ao 69 anos de idade, Machado se despediria do mundo carnal. Cercado de grandes amigos literários como Euclides da Cunha, Graça Aranha e Coelho Neto, foi ao encontro de sua amada Carolina. Nas palavras de Euclides, durante sessão da Academia Brasileira de Letras — cuja fundação e o primeiro Presidente foram da titularidade de Machado —, destaco: "E compreendia-se desde logo a antilogia de corações tão ao parecer tranqüilos na iminência de uma catástrofe. Era o contágio da própria serenidade incomparável e emocionante em que ia pouco a pouco extinguindo-se o extraordinário escritor. [...] Um escritor da estatura de Machado de Assis só deveria extinguir-se dentro de uma grande e nobilitadora comoção nacional. Era pelo menos desanimador tanto descaso — a cidade inteira, sem a vibração de um abalo, derivando impertubavelmente na normalidade de sua existência complexa — quando faltavam poucos minutos para que se encerrassem quarenta anos de literatura gloriosa".


Há quem diga que o autor de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" foi duro e, com suas linhas, criou chagas irremediáveis na literatura brasileira. O humilde e jovem historiador aqui, pede licença para discordar. Não fosse a genialidade e ironia de Machado, quem sabe estaríamos mais entorpecidos pelas vãs filosofias burguesas. Ou pior, incapazes de relutar às desigualdades materiais da sociedade brasileira. Cento e oitenta anos se passaram e o mundo ainda se curva diante de Machado, um homem negro e pobre, com a cara do Brasil. Como é bom ser brasileiro.


Matheus Fernandes é Historiador, Representante de Franca no Sistema Estadual de Museus de São Paulo e Colunista do Jornal Diário Verdade

 
 
 

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