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A Modernidade e o Novo Arranjo Urbano

  • Foto do escritor: Matheus Fernandes
    Matheus Fernandes
  • 19 de jan. de 2019
  • 4 min de leitura


O que restou do Hotel Francano antes de ser demolido por completo - Artista: Atalie Rodrigues, Laboratório das Artes de Franca


Pouco depois do Brasil elevar-se à condição de República, em 1889, já era perceptível que novos ares estariam sendo ventilados. Um enorme empenho em superar os anos recém passados — muito associados à colônia, ao escravismo e, sobretudo, ao sentimento de ter seus objetivos, enquanto país, vindo de fora e voltados aos exteriores — desaguaria, então, na oportunidade de levar o desenvolvimento aos mais distantes lugares dessa terra cor de brasa.


A chegada do progresso, em especial no Estado de São Paulo, em muito pode ser responsabilizada pelo alargamento da produção cafeeira na região — interessante analisar que, mesmo durante a República, ainda produzíamos café com o único objetivo de exportar e garantir a balança externa 'favorável'. Com a expansão do café, assistíamos ao surgimento de novas demandas — a necessidade de garantir a qualidade da produção, o escoamento das mercadorias e etc — e, junto delas, alternativas que resolvessem parcial ou totalmente os problemas.


A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro é uma destas alternativas. Permitia, já em 1887, escoar toda a produção de Franca e da região de Ribeirão Preto à Campinas e, posteriormente, à São Paulo — de lá, tudo partiria para o Porto de Santos, onde seria enviado pelos 4 mares à todos os continentes. Ao se instalar no Bairro da Estação — situado na Colina Oeste — proporcionou não só uma maior circulação de mercadorias, mas também uma circulação de referenciais, conceitos e novos arranjos. Essa nupérrima mudança acabaria por estreitar e inserir Franca em um novo contexto de relações políticas e econômicas com outras cidades da região — cidades mais desenvolvidas, o que colabora na criação de condições favoráveis à padronização de um mesmo desenho urbano.


À essa altura, as luzes da modernidade já tinham dado seus primeiros lampejos pela região da Alta Mogiana. Tudo que sucederia a chegada da Estação, só seria possível, com tamanha facilidade, mediante a celeridade trazida junto das linhas de ferro. Duas décadas após o início do século XX, mais um grande feito seria atribuído à cidade — e muito se deve à chegada dos imigrantes italianos, em maior parte, e dos sírio libaneses. Assim que fora erguido, em 1928, o Hotel Francano só reforçaria os novos ares que aqui estamos retratando. O enorme edifício situado na Colina Central — onde hoje é a praça do Banco Itaú, infelizmente — transformou-se em um marco urbano que alçaria Franca a outro porte de cidade. Seria equivalente dizer que estaria inscrita, mais uma vez e de outra forma, no circuito das cidades desenvolvidas.


Outro caso semelhante, também situado na Colina Central e em plena década de 20, é a construção da Fábrica de Calçados Jaguar. Criada por Carlos Pacheco de Macedo, adquiriu o título de primeira indústria de calçados mecanizada de Franca — estava situada à Praça Nossa Senhora da Conceição, onde hoje fica a loja e o estacionamento da Vivo. O prédio da pioneira fábrica — demolido na década de 80 após um enorme empenho na tentativa de tombá-lo — consagrou-se como elemento marcante da modernidade francana até que foi descaracterizado pelo proprietários antes de ser demolido na totalidade.



Plataforma de Embarque da Antiga Estação da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro - Artista: Atalie Rodrigues, Laboratório das Artes

Já na década de 50, um outro edifício se tornaria peça notável da modernidade em Franca: a sede da AEC. Projetado pelo arquiteto boliviano Carlos Lake, após ter vencido um concurso de projetos realizado pela própria Associação, o edifício foi obrado em 1954. Tornou-se famoso pela pujança política e cultural — muito interessante se analisarmos que se trata de uma associação dos empregados do comércio, isto é, de trabalhadores — proveniente das inúmeras atividades que lá eram realizadas. Desde o Baile da Primavera — com a presença de Nelson Gonçalves — até o Baile da Saudade — com a presença da banda da Rádio Nacional. E, além de toda essa polivalência em termos artísticos, havia também uma conexão mais profunda que se transmitia na estética do prédio — proporcionada por pela junção de uma enorme quantidade de elementos da arquitetura modernista como os famosos cobogós, a platibanda, os pilotis e o brise-soleil.


Ao fim e ao cabo, ao traçarmos uma linha que vai dos fins do XIX até pouco além da metade do XX, percebemos estar avaliando um momento de grande salto no desenvolvimento de Franca. Seja pela próspera aglomeração urbana que saía de uma organização precária e alcançaria patamar de cidade modelo na região, seja pela condição econômica e política conferida ao município perante o Estado e a União. Esse salto, à luz da modernidade, fica ainda mais curioso se pensarmos se tratar de uma cidade com 400 km de distância da capital e pouco mais de 500 km do Porto de Santos. Ou seja, ainda que houvessem pedras no caminho, — e não eram poucas, afinal atravessar os mares de morros, como conceituaria Aziz Ab'Saber, não seria tarefa fácil — elas nunca impediram que o Nordeste Paulista pudesse se estruturar com seus contornos próprios.




Matheus Fernandes é Historiador, Representante de Franca no Sistema Estadual de Museus de São Paulo e Colunista do Jornal Diário Verdade


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