As águas virtuosas da Piçarra
- Matheus Fernandes
- 30 de jul. de 2019
- 2 min de leitura

O Hotel das Águas Virtuosas de Ibiracy teria surgido em 1926, logo após a compra da propriedade por Hygino Caleiro, Fulgêncio Gomes e Torquato Caleiro. O local chamou atenção dos coronéis e fazendeiros francanos por conta das termas que possuía. Isto é, uma espécie de piscina natural com água quente.
Unia tantas pessoas que nem mesmo a estrada estreita de terra era capaz de impedir os visitantes. Para que fique claro, a única forma de alcançar a Piçarra — como era conhecida a formação rochosa vermelha pelo moradores da região — era por meio da rota pulverosa. E, além disso, era necessário cruzar o Ribeirão do Ouro com os 'fordinhos' da época, visto que ainda não havia ponte.
As dependências do Hotel eram frequentadas, pelo menos no inicio de suas atividades, por homens de posse. Eram eles, na maioria das vezes, fazendeiros, comerciantes e coronéis da região. Todavia, os hóspedes mais assíduos, sem dúvida, eram de Franca.
O local serviu de abrigo aos inúmeros piqueniques, às visitas de autoridades e, sobretudo, às apaixonadas luas-de-mel. Sem contar os passeios estudantis organizados pelas escola de Franca e região. Foi também palco de festivas reuniões da colônia árabe de Franca, Ibiraci e adjacências, onde buscavam unir suas famílias em meio aos suntuosos banquetes. E, não eram apenas o árabes a utilizarem o Hotel como abrigo para suas festividades: fizeram o mesmo os italianos e os turcos.

As paisagens da Piçarra, junto das montanhas e de toda a grandeza natural, tornaram-na o mais importante centro turístico regional à época. Inclusive, por meios publicitários um tanto quanto exagerados. Um trabalho intitulado de "Águas Mineraes do Brasil", de 1937 e organizado por Alpheu Diniz Gonçalves — que neste momento era assistente chefe do Ministério da Agricultura —, se referia às águas da Piçarra como milagrosas. Nas suas próprias palavras: "curam reumatismo, paralisia, ácido úrico e feridas em geral".
Apesar dos exageros — afinal, hoje se sabe que água quente não cura reumatismo e muito menos paralisia —, a estrutura da Piçarra era mesmo surpreendente. Consistia — como nos mostra João Soares em 'O Ibiracy' de fevereiro de 1937 — em um balneário com dez banheiras de 300 litros cada, com captação por meio da canalização da água quente, algo revolucionário para aquele tempo.
Entretanto, na década de 70, fruto de um processo de desapropriação impetrado pela Prefeitura Municipal de Ibiraci, o Hotel foi largado às traças. Ao longo de todo o embate jurídico, não houve manutenção e a implacável ação do tempo deu conta de lembrar os moradores da Alto Mogiana do que era capaz. Doze anos depois, ao final do processo, o proprietário sr. Nélson Teixeira Mendes conseguiu reaver o Hotel. Infelizmente a essa altura já estava depredado e defasado. Em 2018 o Hotel foi restaurado e segue aberto ao público.
Matheus Fernandes é Historiador, Representante de Franca no Sistema Estadual de Museus de São Paulo e Colunista do Jornal Diário Verdade
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