Quem te viu, quem (não) te vê
- Matheus Fernandes
- 19 de jan. de 2019
- 3 min de leitura

A cultura cafeeira marcou presença em nossa história. A partir de 1880, a produção de café se alarga na região e passa a ser elemento fundamental para o desenvolvimento da cidade. O que outrora era símbolo estático do campo, passou a significar o vapor do progresso e da modernidade. A recém urbanização da cidade, é também parte constitutiva das demandas colocadas pelo processo econômico da cafeicultura.
O poder econômico que se traduzia do mesmo modo em poder político, litigava um conjunto urbano que estivesse à sua altura. Era preciso criar uma prática urbana, diferente da presença circunstancial aos domingos. E, para isso, a oligarquia do café empenhou-se bastante. A construção de um empreendimento de porte era a oportunidade de subverter o circunstancial e ostentar a modernidade aos francanos.
O consórcio entre a elite cafeeira e a administração pública possibilitou, em 1928, que o descampado no Largo da Misericórdia viesse a ser ocupado pelo projeto de Francisco de Paulo Silveira . O engenheiro que, em 1927, venceu o concurso de projetos, também contaria com a ajuda do arquiteto e paisagista francês J.E Chauviére para a realização de todo o projeto dos jardins externos. Foi então, no dia 7 de setembro de 1928, que o tão esperado Hotel Francano foi inaugurado.
Servindo como prova de força da economia do café, o palacete também foi responsável por afastar parte do sentimento que afligia os barões. Além de reposicionar Franca dentre várias cidades do interior do Estado de São Paulo — nenhum outro município possuía obra de tal magnitude e harmonia estética. Entretanto, com a chegada da crise de 1929, o Francano foi obrigado a fechar e só reabriria em meados de 1933.
No transcorrer dos anos que sucederam à sua reabertura, o Hotel foi responsável por hospedar grandes figuras públicas de notoriedade. Além de fazer uso dos salões rosa e azul para recepcionar festas, jantares de gala e até reuniões do Rotary e do Clube da Saudade. Ou seja, desde a década de 1930 até o início de 1970, o edifício esteve presente na rotina do francano. Seja pela presença integrada nas atividades que aconteciam dentro de si, seja pela percepção externa do enorme "palacete assobradado" que estava situado à Praça Dom Pedro II.
Infelizmente, fechado no começo da década de 1970 e vendido a um poderoso grupo em 1973, o ex-símbolo da modernidade passa a ser considerado um empecilho ao desenvolvimento de Franca. Nesse momento, não são poucos os editoriais que o classificam como "ratazal" e "inútil e desprezível construção". Tudo isso pois o projeto ventilado traria, em seu lugar, a construção de um moderno shopping que atenderia às vontades dos "modernos".
A substituição da hegemonia do café pela indústria e comércio, muito colaborou para que o prédio fosse responsabilizado pelo atraso. Seu valor tecnológico, paisagístico, afetivo e histórico, em nada contribuíram para sensibilizar os "modernos". Pelo contrário, apenas acirraram a dicotomia memória x negócios.
Toda a sociedade francana assistiu bestializada o desfecho do caso. Sentimento legítimo se analisada a justificativa de Cunha Bueno, Secretário de Cultura do Governo Maluf, para o veto ao tombamento do Hotel. Isto é, embora o CONDEPHAAT tenha optado pelo tombamento (instrumento de preservação) e, isso tenha acarretado grave crise no conselho, uma decisão monocrática foi responsável por engendrar na demolição do prédio para, posteriormente, servir de sede a uma agência do Banco Itaú.
Mesmo contrapondo, um a um, os argumentos que chancelaram a demolição do Hotel, não foi possível salvaguardá-lo. No grande mercado de memórias, essa foi apenas mais uma vendida a preço de banana. A narrativa da modernização e da valorização imobiliária, enuviou o real significado pode detrás do edifício. Em 2018, o Hotel Francano completaria 90 anos. A única coisa que nos resta agora, é convidar a todas e todos para o cortejo fúnebre.
Matheus Fernandes é Historiador, Representante de Franca no Sistema Estadual de Museus de São Paulo e Colunista do Jornal Diário Verdade
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