Saudosa Franca, Franca querida
- Matheus Fernandes
- 19 de jan. de 2019
- 3 min de leitura

Costumeiramente, aos precisos 28 de novembro, Franca comemora seu aniversário. Nesta oportunidade, celebrando seus 194 anos desde o momento em que a cidade se eleva à condição de Vila e empossa seus primeiros representantes na Câmara Municipal. À época, ninguém imaginaria que a pequena aglomeração de 3.459 habitantes, em 1824, — como mostrou José Chiachiri Filho — pudesse se transformar na 20ª maior cidade do Estado de SP.
A província que cortava o sertão, situada entre os Rios Pardo (ao Oeste) e Grande (ao Norte), muito deve ao surgimento da 'Estrada dos Goyazes'. E, só pudera atingir tal patamar, ainda no século XVIII, justamente por estar alocada estrategicamente em uma área que permitia estruturar pousos aos 'andantes' que buscavam ouro Brasil adentro. Toda a trajetória histórica do 'Bello Sertán da Estrada dos Goyazes' até a Franca que conhecemos — passando também pelo 'Arraial Bonito do Capim Mimoso' e 'Vila Franca do Imperador' — revela não só os percalços pelos quais passamos até os dias de hoje, mas igualmente projeta uma possibilidade de analisar os mais relevantes ciclos produtivos que assentaram na história do sudeste brasileiro.
Assim como o sal e o ouro, houve um tempo em que o gado — das terras altas do Norte de Portugal, do tipo vacum — se tornariam peça indispensável para substanciar as fazendas já firmadas nos arredores do Pardo e do Grande. O café, por sua vez, ganhando mais espaço, dá um passo adiante e acelera a chegada da modernidade. Consequentemente, a urbanização tem seus primeiros pulsares. No meio disso tudo, a mudança na produção local criaria um terreno fértil para a substituição do eixo rural. E, é justamente desse embrião que veremos erigir, décadas mais tarde, o polo de produção calçadista referência nacional e internacional.
Enquanto assistíamos à transformação econômica, a cidade em si se transformava. A Mogiana apressava as coisas e possibilitava uma reconfiguração da paisagem urbana: a construção do Hotel Francano em 1928; a sede da AEC no centro no começo dos anos 50; o Lanchão, em 1970 — e muitos outros edifícios, parques e espaços coletivos. Ao mesmo tempo, era fruto dessa celeridade, adquirida no breve século XX, que urge a possibilidade de ver a Francana deslanchar em 1977 — com os gols de Zé Antônio e Antenor —, ou mesmo testemunhar a equipe de basquete da ETC transformar-se em Franca Basquete e ser vitoriosa no campeonato brasileiro de 1971 — à época chamado de Clube dos Bagres.
Em concomitância, como esquecer dos mais brilhantes filhos que essa terra já semeou? Falo, aqui, dos quadros de projeção local e nacional, como é o caso de Abdias do Nascimento — grande professor, Senador da República e incansável militante do movimento negro. Fundador do Teatro Experimental do Negro (1944) e, posteriormente, do Museu de Arte Negra. Além de ter se tornado o primeiro deputado federal da história brasileira a propor a instituição de políticas públicas que promovessem a igualdade racial. Ou de Salles Dounner, um artista brilhantemente sensível e muito à frente de seu tempo — enquanto a arte só era capaz de retratar o esplendor e a pompa, Dounner buscava voltar os olhares aos miseráveis, negligenciados e às crianças de rua.
Da mesma maneira, podemos lembrar de Alfredo Costa, um homem simples e, ao mesmo tempo, muito engajado. Ficou conhecido por ter fundado o Comércio da Franca — tendo sido obrigado a vendê-lo durante a Ditadura Militar — e por ter tido uma atuação exemplar na Câmara dos Vereadores pelo PSB — hoje o plenário recebe seu nome como forma de homenagem. Joana D'Arc F. de Souza é outra filha da Franca que nada deve ao mundo — química de formação na UNICAMP, realizou seu PhD em Harvard e foi reconhecida com o prêmio Kurt Politizer de Tecnologia de 2014. À mesma medida podemos relembrar de Carlos Assumpção — completíssimo intelectual e militante que tive o enorme prazer de conhecer e conversar algumas vezes —, membro permanente da Academia Francana de Letras, participante assíduo do COMDECON ( e histórica referência na luta pela educação e pela igualdade.
De certo, Franca contribuiu e muito ao país. Não há como dizer o contrário. Isto é, seja pelas graças e feitos do esporte ou mesmo pela projeção de vários francanos que fizeram história aqui e lá fora. Minhas felicitações torcem para que esse aniversário sirva de catapulta aos próximos 194 anos de revelações intelectuais, políticas e artísticas. Afinal, é por conta disso e mais um pouco que esse pedacinho de terra ocupa a 52º posição das melhores cidades para se viver no Brasil. Só conhecendo pra saber!
Matheus Fernandes é Historiador, Representante de Franca no Sistema Estadual de Museus de São Paulo e Colunista do Jornal Diário Verdade
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